Le déserteur
Boris VianPORTOGHESE / PORTUGUESE / PORTUGAIS [3] - José Colaço Barreiros Versão um... | |
O DESERTOR Senhor presidente Escrevo-lhe uma carta Que há-de ler talvez Se tiver tempo Acabo de receber Os papéis militares Para partir para a guerra Até quarta-feira à noite Senhor presidente Eu não quero fazê-la Não estou sobre a Terra Para matar pobre gente Não é para o ofender Mas tenho de lhe dizer A minha decisão está tomada Vou desertar Desde que nasci Vi morrer o meu pai Vi partir meus irmãos E chorar os meus filhos Minha mãe sofreu tanto Que está na sua campa Onde se ri das bombas Onde se ri dos vermes Quando estive prisioneiro Roubaram-me a mulher Roubaram-me a alma E o meu querido passado Amanhã de manhã cedo Fecharei minha porta Na cara dos anos mortos Irei pelos caminhos Mendigarei o meu pão Pelas estradas de França Da Bretanha à Provença E direi a toda a gente Recusem obedecer Recusem ir fazê-la Não vão à guerra Recusem-se a partir Se é preciso dar o sangue Vá derramar o seu Pois é bom apóstolo Senhor presidente Se me perseguir Previna os seus guardas Que eu não terei armas E podem disparar. | O DESERTOR Perdoe-me, Excelência, o meu atrevimento: mas peço-lhe um momento, se tiver paciência. Acabo de saber que fui mobilizado p’ra ir como soldado a pátria defender. Não, senhor Presidente, eu não quero ir p’rà guerra, não se defende a terra matando a pobre gente. Fartei-me de pensar qual a melhor acção, e a minha decisão é que vou desertar. Só vi desde que vivo filhos perder os pais, de irmãos lutas mortais sem razão nem motivo. A minha pobre mãe sofreu tanto e penou: da morte precisou p’ra enfim se sentir bem. Ao ser encarcerado, minha mulher, perdi-a; e esqueci o que havia de bom no meu passado. Logo de madrugada fecho a porta e assim corto com um tempo já morto p’ra me fazer à estrada. Irei ter com o povo p’los campos e cidades, explicar as verdades deste discurso novo: «No mundo os explorados são uma só nação, mas sem haver união são sempre derrotados. Negai-vos a ob’decer, se vos mandam para a guerra, que impor fome e miséria, não é o vosso dever.» Se há-de o sangue correr, o nosso deixe em paz: não se arme em frei Tomás, tem o seu p’ra of’recer. Se achar que ponho em perigo a ordem e o seu bem-estar, declare-me inimigo que é preciso anular. Sou um simples desertor: comunique aos seus guardas que ando sempre sem armas, que atirem sem temor. |